Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

107. Por do Sol


O gincho agudo e ameaçador do novo rato, quase o dobro do tamanho do outro, ecoou pelos cantos do estacionamento, retornando instantes depois, como se centenas de outros roedores estivessem respondendo ao chamado. Sem esperar para descobrir, enfiei uma bala na criatura asquerosa e pulei alguns degraus subindo a escada, sem nem ver o estrago causado. O primeiro roedor, assustado com o barulho e minha correria, fugiu escada acima, saiu pelo corredor e sumiu no saguão do prédio. Ignorando-o, torci para que os diabos o encontrassem na rua. A escada para o esconderijo de Passan estava a poucos passos dali. Peguei o rádio e chamei por Lisie. O aparelho chiou em resposta um pouco depois mas não houve resposta. Um instante mais e a voz suave de Lisie respondeu atrás de mim, fazendo-me pular de susto.

-Ê assustado! -brincou, com um risinho. Ela então se aproximou um pouco mais e pude sentir um cheiro suave de perfume que me arrepiou mais que o susto. -Venha, vamos descer, achei algumas peças e acho que podemos consertar a antena! -me puxando pelo braço seguimos ao alçapão. Agradeci à penumbra por esconder meu rosto vermelho de vergonha.

Passan rapidamente nos explicou como retirar as partes danificadas sem acabar de vez com o equipamento e como soldar as novas usando um antigo aparelho elétrico. Eu ainda atacava uma lata de carne em conservas quando partimos uma vez mais à cobertura do prédio. Lá, o vento continuava implacável, e parecia estar se esforçando para nos jogar fora do prédio. Sem Lisie para bloquear o vento, provavelmente não teria conseguido evitar que as minúsculas peças eletrônicas fossem levadas embora pelas rajadas geladas, quando minhas mãos trêmulas de frio as derrubaram incontáveis vezes. Levamos cerca de cinco horas para trocar todas as peças, parando de tempos em tempos para aqueçer os dedos congelados e comer alguma coisa. Já começava a anoitecer quando finalmente terminamos, e não houve sinal algum dos Deuses ou qualquer outra movimentação estranha por Bermil. Comecei a guardar minhas coisas, já imaginando-me tomando um banho quente e comendo uma comida gostosa, mas percebi o olhar triste de Lisie. Ela ainda pensava nos amigos, e aquela antena voltar a ser funcional era a oportunidade para que pudesse reencontrar parte deles. Abracei-a quando uma lágrima começou a escorrer de seus profundos olhos azuis. Ela me abraçou ainda mais forte, deitando seu rosto em meu peito. Respirávamos lentamente, em silêncio. O vento parara de soprar e o frio dera lugar a uma mormaço gostoso. No horizonte, por debaixo da infinitamente longa cama de nuvens, um sol tímido surgiu e pintou a cidade de vermelho com sua luz rubra.

Em uma fração de segundo Lisie colara seus lábios nos meus, o rádio gritava a voz de Passan, e um ponto negro surgia bem no meio do sol poente.

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