Quando o planeta já não mais podia suportar a humanidade, uma luz brilhou no horizonte e subiu aos céus.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

109. Mensagem Codificada

De fato, nem um único diabo espreitava quando voltei ao esconderijo. Nem mesmo um uivo podia ser ouvido vindo de outro lugar, que não às margens do rio, poucos quilômetros ao sul. Mesmo por entre os prédios pude ver as chamas iluminando a escuridão, fazendo sombras dançarem nas paredes pintadas de vermelho e laranja. Pensei ter ouvido um grito ou outro, mas não senti remorso algum quando pisei na segurança do abrigo e senti o calor reconfortante lá de dentro. Lisie ainda tentava contato com alguém do RR, mas o silêncio era completo em todas as frequências, inclusive as dos Deuses e de Amrak. Provavelmente todos já sabiam -e provavelmente podiam ver as luzes iluminando o céu- do que acontecera aos soldados dos Deuses. E era como se os que restaram tivessem  se encolhido em suas camas e estivessem esperando a tempestade passar, torcendo para que o telhado aguentasse e pela manhã tudo voltasse a ser colorido, com o sol ardendo no céu azul a esquentá-los.

Por Lisie, continuaríamos tentando contato até que houvesse resposta, mas Passan e eu a aconselhamos a descansar um pouco e tentar novamente depois. Havia sido um longo dia e não foi preciso muito para convencê-la. Ajudei-a a se deitar e percebi como também estava cansado. Voltei à sala de Passan para dizer alguma coisa mas não conseguia lembrar o que era. Chacoalhei de lado a cabeça e voltei ao dormitório, adormecendo assim que encostei no travesseiro macio. Acordei o que me pareceram dias depois, assustado com um monte de sonhos e pesadelos encavalados. Lembro-me de um homem cego, animais deformados, um por do sol à beira mar, robôs inteligentes, piquenique em um gramado verde e misseis nucleares cruzando o espaço. Passan continuava mexendo em seus arquivos, e pelo que me contou, passou as dez horas que estive dormindo retransmitindo através da antena uma gravação codificada. Caso alguém do RR interceptasse a mensagem, saberia como decifrá-la, segundo Lisie havia lhe dito. Lá fora a cidade estaria acordando e os diabos se retirando após o banquete, pensei, mas não havia nada que eu pudesse fazer para ajudar Lisie. Tudo o mais estava fora de nosso alcance.

Tentando descansar a cabeça de infinitos pensamentos comecei a ouvir algumas músicas da vasta coleção de Passan. Tudo o que ele conseguiu reunir do gigantesco passado musical da humanidade estava ali, naquele pequeno music-player. Um trabalho de duas décadas, completamente desprovido de uso prático, mas ainda assim de valor inestimável para qualquer um que pudesse perceber a grandiosidade daquela coletânea. Viajava ouvindo um rock clássico centenário quando Passan tirou seu head-fone e me chamou.

-Ouça isso! -falou, visivelmente entusiasmado. -Vem sendo transmitido já faz uma hora, talvez mais. Não tinha percebido até agora, estava muito baixo e parecia apenas chiado. Resolvi passar uns filtros de áudio antigos e... bum!

O começo e o fim da mensagem eram inaudíveis, com um barulho de estática agudo e longo, mas o meio continha algumas partes inteligíveis. Um homem falava baixinho, com a respiração ofegante e a voz trêmula:

..."eles marcham à noite, sem se importar com os... os cachorros...", "...são incansáveis, passam o dia de um lado para o outro, e não param para dormir...", "...aquela coisa... continua soltando fumaça... cada vez menos, mas nunca para...", "...se alguém estiver ouvindo, não venha pelo...", e então recomeçava.

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